segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Acorda Brasil

Rosane Santana
De Boston (EUA)

Imagens do governador do DF são "um tiro no peito de todos os brasileiros que se esforçam para construir um país melhor", diz historiadora 


Conversei outro dia, com uma colega chinesa, Jing Yang, na Universidade de Harvard, sobre seu país, enquanto esperava a chegada da professora em sala de aula. A imprensa, de uma maneira geral, inclusive nos Estados Unidos, insiste, com certa freqüência, na idéia de que o século XXI será um século asiático. É verdade que a crise norte-americana tem levado muitos a se perguntarem sobre quem sucederá os EUA na liderança mundial e a China, o principal credor do país, com cerca de um trilhão de dólares investidos em letras do tesouro e outros seguros americanos, de acordo com a National Public Radio (NPR), é forte candidata ao pódium.

Ressalte-se, de uma vez por todas, cerca de um trilhão em aplicações variadas e não seis trilhões de dólares, como já li em alguns jornais brasileiros e blogs, talvez para valorizar a crescente influência da China no mundo Ocidental, inclusive na América Latina, na mesma proporção que decresce a influência americana. Este é um fenômeno que alguns estudiosos atribuem à política neoliberal de Bill Clinton, mantida por George W. Bush, trazendo de volta o velho nacionalismo no continente de Che Guevara em choque direto com Washington.

O Brasil também tem aparecido como forte concorrente da China. Estabilidade econômica proporcionada pelo Plano Real, que o governo Lula seguiu à risca desde a Era Palocci, a reação da economia brasileira à crise econômica mundial e as recentes descobertas de petróleo e gás natural - as mais importantes dos últimos 20 anos, segundo The New York Times - colocam o país na berlinda. E é o bastante para o governo navegar em alta popularidade, numa onda de falso otimismo que ignora os entraves a serem vencidos pelo país no caminho do desenvolvimento e bem-estar social.

No Brasil como na China, concorda minha colega Jing Yang, a concentração de renda e a corrupção impedem o salto em direção a um lugar no pódium. "Poucos, muito poucos controlam a riqueza", diz ela, que adotou os EUA como pátria recentemente. Com a volta da censura prévia à imprensa, referendada por decisão recente do Supremo Tribunal Federal, que proíbe o jornal "O Estado de São Paulo" de divulgar tenebrosas transações de um dos herdeiros do presidente do Congresso, José Sarney, infelizmente o Brasil, se não houver reação, também caminha para se igualar à China nesse aspecto, o que será péssimo. À propósito, louve-se a atitude do vice-presidente da República, José Alencar, que manifestou preocupação ao cerceamento da liberdade de imprensa.

Tenho feito contínuas reflexões sobre a realidade brasileira em comparação com o que vivencio nos Estados Unidos há cerca de três anos, país que tomo como referência por ainda ser uma potência militar e econômica e, internamente, um modelo de democracia, com a maioria da população, inclusive milhares de brasileiros que aqui residem, tendo acesso ao mercado de consumo, às maravilhas da tecnologia e à educação e uma Justiça célere e eficaz, além de uma imprensa livre. Sobre a China, só conheço o que li nos livros e conversei com colegas na Universidade de Harvard, onde os chineses estão em toda parte. Por aqui, o Brasil é uma grande promessa, mas é preciso viabilizá-la.

O problema número um, citado por todos, professores e alunos com os quais conversei, é a corrupção, em evidência neste momento, graças a revolução tecnológica, seus poderosos satélites, micro-câmeras e comunicações eletrônicas instantâneas, que, segundo o sociólogo inglês Anthony Giddens, viabilizou a aldeia global de Marshall McLuhan. Entretanto, o fenômeno, herança do patrimonialismo português e, por que não dizer, ibérico, já existe mesmo antes da fundação do Estado brasileiro, no século XIX, nas antigas Câmaras de Vereadores dominadas pelos latifundiários e senhores de engenho. A diferença é a repercussão globalizada.

Não se rouba, portanto, nem mais nem menos, rouba-se como sempre se roubou num país de baixa participação política (65% dos brasileiros ignoram a política, segundo recente pesquisa do Vox Populi), onde há falta de transparência nos negócios públicos e impunidade. Acrescente-se concentração de renda, analfabetismo e ignorância.

Afinal, quem imagina, num mundo democrático e civilizado, que um país onde seus líderes são flagrados escondendo dinheiro em cuecas, meias e coisas que tais, pode ser levado a sério, está enganado. O máximo que conseguiremos despertar é a antiga atitude de cobiça dos colonizadores - explorar, saquear, roubar as nossas riquezas. A imagem de José Roberto Arruda , ninguém menos do que o governador do Distrito Federal, embolsando um maço de dinheiro e dizendo "valeu", que rodou o mundo, é um tiro no peito de todos os brasileiros que se esforçam para construir um país melhor.

Acorda Brasil!

Fonte: Bob Fernandes / Terra Magazine

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