domingo, 10 de janeiro de 2010

Secretaria de Direitos Humanos defende plano atacado por militares, latifundiários e católicos

Protagonista da criação do decreto que institui um novo Plano Nacional de Direitos Humanos, ainda restrito a diretrizes formuladas sob sua coordenação, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República reagiu ontem aos ataques dirigidos às propostas por militares, produtores rurais, setores da Igreja Católica e dois ministros – o da Defesa, Nelson Jobim, e da Agricultura, Reinhold Stephanes.

Em nota emitida no início da noite, a SEDH observa que o plano resultou de um debate de âmbito nacional que envolveu 14.000 representantes da sociedade. Observa também que seu texto foi assinado por 31 dos 37 ministros do Governo Lula. E que o objetivo é “transformar a promoção e proteção dos direitos humanos numa agenda do Estado brasileiro, tendo como fundamentos a própria Constituição Federal e os compromissos internacionais assumidos pelo País”.

O plano prevê a criação de 27 leis, para múltiplos temas e setores, e de milhares de ouvidorias, comitês, observatórios, órgãos de Justiça e outras instâncias no setor público.

A reação ao documento foi iniciada pelos militares e pelo ministro da Defesa, no fim do ano. Eles se opõem à proposta de criação da Comissão da Verdade, que seria formada para apurar responsabilidades por torturas e desaparecimentos durante a ditadura militar. Alegam que a proposta contraria a Lei de Anistia, em vigor desde 1979. Esse objetivo é negado pelo secretário de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi.

Setores da Igreja Católica reagiram negativamente às propostas que prevêem a descriminalização do aborto, a proibição de ostentar símbolos religiosos em estabelecimentos públicos, a união civil entre pessoas do mesmo sexo e o direito de adoção por casais homossexuais.

“Vemos nessas iniciativas uma atitude arbitrária e antidemocrática do Governo Lula”, afirmou o bispo de Assis (SP) e responsável pelo Comitê de Defesa da Vida do Regional Sul-1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom José Simão.

Quinta-feira, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária também se proclamou contrária a propostas do plano, sob o argumento de que favorecem as invasões de terras e expõe preconceito contra o agronegócio. A presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (DEM-MT), diz que o setor rural está preocupado especialmente com uma proposta que sugere que as liminares para reintegração de posse de terras invadidas têm que ser examinadas por uma comissão antes de que sejam cumpridas.

”Quando eu impeço a urgência da liminar, estou estimulando a ocupação e a violência no campo. Eu estou dizendo ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que estou legitimando as suas ações. Isso é uma legitimação das ações do MST”, afirma a presidente da CNA.

A Secretaria Especial de Direitos Humanos contesta as críticas da senadora e assinala que o plano é resultado de um “amplo e longo” debate com a participação da sociedade e atende às demandas de vários segmentos, inclusive o setor do agronegócio.

Ontem, um dia depois da manifestação dos ruralistas, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, reclamou de ter sido excluído dos debates e criticou as propostas para o setor rural. Disse que aumentam a insegurança jurídica no campo e fortalecemdeterminadas organizações, como o MST. Já o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, considerou que o ponto essencial da divergência sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos não é a questão agrária.

“O que está por trás de toda essa questão é a discussão sobre os esclarecimentos dos crimes da ditadura. É disso que a gente está falando no fundo. Eu praticamente esperava uma reação desse tipo, porque foi assim em todos os países que viveram processos semelhantes. Mas penso que são reações que devem ser superadas”, disse Cassel.

Na avaliação do ministro do Desenvolvimento Agrário, “o que existe é uma reação localizada de setores conservadores a esse tipo de agenda, que é uma agenda civilizatória para o país”.
Leia, a seguir, a íntegra da nota divulgada ontem pela Secretaria de Direitos Humanos

“A Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR) esclarece alguns pontos do Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3):

1. O PNDH-3 é mais um passo na construção histórica que visa concretizar a promoção dos Direitos Humanos no Brasil. Ele foi precedido pelo PNDH-I, que enfatizou os direitos civis e políticos, em 1996, e pelo PNDH-II, que incorporou os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, em 2002. O Brasil ratificou a grande maioria dos tratados internacionais sobre Direitos Humanos e as ações propostas pelo PNDH-3 refletem este compromisso.

2. A transversalidade é uma premissa fundamental para a realização dos Direitos Humanos, concretizando os três princípios consagrados internacionalmente na Convenção de Viena para os Direitos Humanos (1993): universalidade, indivisibilidade e interdependência. Será impossível garantir a afirmação destes direitos se eles não forem incorporados às políticas públicas que visam promover a saúde, a educação, o desenvolvimento social, a agricultura, o meio ambiente, a segurança pública, e demais temas de responsabilidade do Estado brasileiro. Para atender a este objetivo, o PNDH-3 é assinado por 31 ministérios.

3. A política de Direitos Humanos deve ser uma política de Estado, que respeite o pacto federativo e as competências dos diferentes Poderes da República. Por sua vez, a interação entre todas estas esferas garante a plena garantia dos Direitos Humanos no país.

4. A ampliação da gama de direitos contemplados segue o que vem sendo estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), tratados e convenções internacionais, bem como na Constituição Federal para garantir os princípios fundamentais de dignidade da pessoa humana. Segue ainda as crescentes demandas da sociedade civil organizada.

5. A participação social na elaboração do programa se deu por meio de conferências, realizadas em todos os estados do país durante o ano de 2008, envolvendo diretamente mais de 14 mil pessoas, além de consulta pública. A versão preliminar do programa ficou disponível no site da SEDH durante o ano de 2009, aberto a críticas e sugestões.

6. O texto incorporou também propostas aprovadas em cerca de 50 conferências nacionais realizadas desde 2003 sobre tema como igualdade racial, direitos da mulher, segurança alimentar, cidades, meio ambiente, saúde, educação, juventude, cultura, etc.

7. O PNDH-3 está estruturado em seis eixos orientadores, subdivididos em 25 diretrizes, 82 objetivos estratégicos e 521 ações programáticas, que incorporam ou refletem os 7 eixos, 36 diretrizes e 700 resoluções aprovadas na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em Brasília entre 15 e 18 de dezembro de 2008.

8. O Programa tem como um de seus objetivos estratégicos o acesso à Justiça no campo e na cidade e a mediação pacífica de conflitos agrários e urbanos, como preconiza a Constituição Federal. Esta ação está prevista no Manual de Diretrizes Nacionais para o Cumprimento de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva, editado pela Ouvidoria Agrária Nacional em abril de 2008.

9. O PNDH-3 tem como diretriz a garantia da igualdade na diversidade, com respeito às diferentes crenças, liberdade de culto e garantia da laicidade do Estado brasileiro, prevista na Constituição Federal. A ação que propõe a criação de mecanismos que impeçam a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União visa atender a esta diretriz.

10. O eixo Desenvolvimento e Direitos Humanos, na diretriz 5, prevê a valorização da pessoa humana como sujeito central do processo de desenvolvimento. Neste eixo, a afirmação dos princípios da dignidade humana e da equidade como fundamentos do processo de desenvolvimento nacional constitui um objetivo estratégico. A proposta de regulamentação da taxação do imposto sobre grandes fortunas é prevista na Constituição Federal (Art. 153, VII).

11. O acesso universal a um sistema de saúde de qualidade é um direito humano. Com o objetivo de ampliar este acesso, o PNDH-3 propõe a reformulação do marco regulatório dos planos de saúde, de modo a diminuir os custos para a pessoa idosa e fortalecer o pacto intergeracional, estimulando a adoção de medidas de capitalização para gastos futuros pelos planos de saúde.

12. O PNDH-3 contempla a garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para consolidação de uma cultura em Direitos Humanos, como uma de suas diretrizes. Neste contexto, em consonância com os artigos 220 e 221 do texto constitucional, propõe a criação de um marco legal, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão e a elaboração de critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios dos Direitos Humanos.

13. Quanto aos direitos dos povos indígenas, o processo de revisão do Estatuto do Índio já está em curso desde o segundo semestre de 2008, tendo à frente a coordenação do Ministério da Justiça. Ao apoiar projetos de lei que visam revisar o Estatuto do Índio (1973) o PNDH-3 defende que é preciso adequar a legislação ainda em vigor com os princípios da Constituição, que foi promulgada 15 anos depois daquela lei, e da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), consagrando novos princípios para o tema.

14. Ao apoiar projeto de lei que dispõe sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo e ao prever ações voltadas à garantia do direito de adoção por casais homoafetivos, o PNDH-3 tem como premissa o artigo 5º da Constituição (Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade). Considera ainda as resoluções da 1ª Conferência Nacional LGBT, realizada em junho de 2008, marco histórico no tema. O programa também está em consonância com tendência recente da própria jurisprudência, que vem reconhecendo o direito de adoção por casais homoparentais.

15. Em consonância com as políticas que vêm sendo desenvolvidas pelo Ministério da Justiça, o PNDH-3 avança no tema da segurança pública ao recomendar a alteração da política de execução penal e do papel das polícias militares, bem como dos requisitos para a decretação de prisões preventivas.

16. O PNDH-3 reconhece a importância da memória histórica como fundamental para a construção da identidade social e cultural de um povo. No eixo direito à memória e à verdade prevê a criação de um grupo de trabalho interministerial para elaborar um projeto de lei com o objetivo de instituir a Comissão Nacional da Verdade, nos termos da Lei 6.683/79 – Lei da Anistia.

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