terça-feira, 9 de novembro de 2010

Brasil. Meu Brasil brasileiro...

Por Nélio Azevedo


Ao ler o livro “1822” do genial Laurentino Gomes, deparei com algumas informações que já conhecia dos meus tempos de estudante na UFMG e algumas que se revelaram pérolas dos anais da nossa surpreendente trajetória política e social.

Uma coisa a gente pode afirmar, não percorremos os caminhos mais próximos dos considerados normais que os demais países percorreram até se tornarem nações emancipadas e reconhecidas pela comunidade internacional.

Os fatores que apareceram como importantes no marco de fundação dos países estão a língua, a crença religiosa, a etnia e as lutas pela demarcação de suas fronteiras.

Cá em terras tupiniquim, falavam as línguas dos vários troncos lingüísticos indígenas (cerca de 600), o português, o francês, o holandês e uma mistura conhecida como língua brasílica, uma espécie de proto-esperanto, e todos se desentendiam em todas as línguas.

Havia uma grande competição entre as capitanias já que eram gerenciadas pela iniciativa privada – Capitães Hereditários – que nomeavam algum representante e com raros exemplos, sequer apareciam por aqui. O sistema de produção era encabeçado pela monocultura, latifúndio e mão-de-obra escrava; tudo em função da exportação.

Os produtos acabaram por definir periodicamente os ciclos da nossa economia, enquanto ia definindo nossa vocação e expandindo nosso território.

A integração dos indígenas e dos negros trazidos da África, como mão-de-obra escrava, trouxeram suas religiões primitivas, africanas e caribenhas que somadas aos cultos às entidades naturais e a um intenso sincretismo com a religião católica, não permitiram que ela  fosse hegemônica ou exclusiva, apesar de ser a religião oficial, ainda que capenga e desfigurada pelas manifestações populares e incompreensíveis, mas, aceitáveis pela Santa Sé.
Hoje o que assistimos é uma fuga dos adeptos do catolicismo para as religiões evangélicas que já somam mais de 60 milhões de pessoas, uma fuga de figuras das entranhas do clero através do escândalo ou da desistência da vida dura do sacerdócio. A dita maior nação cristã tem um déficit de padres e freiras que podem comprometer o futuro da religião.

Falar de etnias por aqui soa meio que uma perda de tempo, já que todos nós temos um pezinho na África, Europa, Ásia e Américas. Somos um povo miscigenado, graças ao Bom Deus, do mesmo modo que os lindos brancos europeus, só que eles não reconhecem e dão muita importância à cor da pele e dos olhos. Talvez ai, se revele o que temos de melhor, já que temos o sangue dos que se consideram tão bons ou melhores do que o resto do mundo.

Já as nossas lutas pela independência e pela manutenção de nosso território, só perdemos uma faixa insignificante de terras ao sul, conhecido hoje como Uruguai; no mais, até que saímos no lucro, crescemos e ultrapassamos em muito a delineação obrigatória do Tratado de Tordesilhas que reduziria o país a menos da metade. Esta configuração não foi conquistada sem lutas, não. Tivemos os chamados movimentos nativistas e rebeliões em número tão grande quanto os outros países tiveram, só que foram todos derrotados e seus participantes trucidados pelos imperadores e o sonho de se tornar uma República, a exemplo das ex-colônias da América espanhola, foi adiado por quase um século.

Quando nos tornamos um país de verdade, não aquele da independência em que a nação não passava de um presente do pai imperador para o filho sucessor, nos tornamos uma República onde havia uma mentalidade européia nas elites e uma mentalidade colonial no resto da população. Ao que parece esse comportamento persiste até os dias de hoje, onde temos uma camada mais rica da população que se sente superior aos pardos, pretos, indígenas e mulatos que sempre foram tratados como cidadão de segunda categoria. Sua história sempre foi contada a reboque dos grandes vultos da nação, nunca tiveram voz própria e nem espaço para se formar como parcela importante da população que deu seu sangue e suor para construir a riqueza da nação.

Demoramos mais de 500 anos para que essa imensa população tivesse acesso à escola superior; ao direito de consumir o que ela produz e ter uma casa para morar com dignidade.
Hoje o escravo moderno, o trabalhador assalariado, não precisa mais repetir em seus filhos a sua desventura profissional e seu terrível lugar na cadeia produtiva numa perpetuação do sistema escravista. O valor de escravo nos últimos anos da escravidão no Brasil era 16 vezes maior do que os gastos com um empregado de salário mínimo de hoje. Diante disso, o leitor pode tirar suas conclusões sobre essa perversa relação e o porquê da desvalorização do homem que produz.

Enquanto alguns povos são definidos por uma única coisa, nós temos uma variedade tão grande de coisas que nos definem e nos caracterizam que me parece, é fruto de nossa miscigenação, herdamos traços dos ibéricos, dos indígenas e dos negros africanos; como se não bastasse, recebemos uma boa dose de outras culturas ao receber imigrantes no início do século XX. O nosso tamanho continental nos permite ter muitos brasis, alguns inteiramente desconhecidos, outros mais integrados e, alguns em plena transformação.

Nessa diversidade foram concebidos conhecimentos que nos permitiram superar a falta de recursos materiais e o conhecimento tecnológico, tão comum e ao alcance das pessoas comuns em países mais ricos e desenvolvidos. Isso não nos tornou melhores ou piores do que os outros, apenas, nos colocaram num pé de igualdade que nos permitiu chegar aonde chegamos como povo e cultura. Não precisamos mais andar a reboque dos outros, não somos um povo coitadinho e temos a auto-estima elevada, não somente graças aos que nos permitiram ou concederam isso, graças à persistência e trabalho dessa brava gente brasileira.  

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