quarta-feira, 28 de abril de 2010

Máquina Mortífera

Uma política de extermínio levada a cabo pela polícia carioca, com apoio de setores da mídia e a omissão do Ministério Público e do Judiciário, vem provocando um verdadeiro genocídio no Rio de Janeiro. Nesta década já foram eliminadas quase 10 mil pessoas, a maioria delas nas favelas da capital.

Para ser exato, 9.179 óbitos registrados como “auto de resistência” – quando a polícia mata um opositor em legítima defesa – entre 2000 e 2009 (até maio), de acordo com o Instituto de Segurança Pública, órgão vinculado ao Executivo Estadual. Uma média de 2,67 mortes por dia. É como se em dez anos toda a população do bairro da Glória sumisse do mapa. Por outro lado, foram registrados 59.949 homicídios dolosos, no mesmo período; crimes que o Estado não foi capaz de evitar.

O número de autos de resistência dá a polícia do Rio o título de campeã de letalidade. Entre todas as outras corporações similares no mundo, é a que mais mata – e também a que mais morre (dado que por si só, evidencia uma política de segurança equivocada). Até o relator da ONU para execuções sumárias e extrajudiciais, Philip Alston, declarou, após recente visita ao Rio de Janeiro: “no Brasil os policiais matam tanto em serviço como fora de serviço e nenhuma investigação é feita já que todos os índices se justificam a partir de ‘autos de resistência’ ou ‘mortes em confronto’”.

A origem desta ferramenta jurídica “auto de resistência” está na Ordem de Serviço “N”, n 803, de 2/10/1969, da superintendência da Polícia Judiciária, do antigo estado da Guanabara. O dispositivo afirma que “em caso de resistência, [os policiais] poderão usar dos meios necessários para defender-se e/ou vencê-la” e dispensa a lavratura do auto de prisão em flagrante ou a instauração de inquérito policial nesses casos.

Lembre-se que durante a passagem de Antony Garotinho pela secretária de segurança na gestão de Rosinha Garotinho, ficou instituído o prêmio para o policial que matasse mais bandidos.

Essa situação é sempre justificada pelo fato de os policiais serem recebidos a tiro e, que, contra essas ações hostis, eles tenham que empregar a força, como explica o delegado Marcus Nunes, coordenador do CORE, unidade de elite da Polícia civil: “Somos muitas vezes recebidos a tiros. Geralmente o policial entra na comunidade em tese hostil porque é controlada por um grupo fortemente armado querendo fazer de tudo para não ser peso, usando os esforços necessários, às vezes com equipamentos de primeira geração, munição em fartura e, até mesmo granadas” Uma situação de extrema pressão que, aliada a outros fatores, pode levar a execuções registradas como autos de resistência.

“QUEM MATA É A POLÍCIA, MAS QUEM ENTERRA É O JUDICIÁRIO”
Quando se registra uma ocorrência como auto de resistência, o delegado tem trinta dias para investigar e, então, deve enviar suas conclusões para o Ministério Público Estadual.
O MP é o titular da ação Penal e, diante do relatório, o promotor deve decidir se retorna o material para a delegacia solicitando novas apurações, se oferece denúncia contra o policial ou se encaminha o processo com o pedido de arquivamento para o juiz.

Outro indicativo de descaso do Poder Judiciário é que em muitas sentenças o magistrado abre mão do despacho fundamentado e passa a usar uma mera etiqueta adesiva, tipo essas da marca Pimaco, para determinar o encerramento do processo investigatório. “Na forma de promoção do MP de folhas retro, determino o arquivamento do presente feito. Dê-se baixa e arquive-se”.

O pioneiro a analisar os pareceres do MP sobre os autos de resistência foi o desembargador Sergio Verani, no livro “Assassinatos em nome da lei”. O jurista Evandro de Lins e Silva anota: “Examinando dezenas de inquéritos, alguns deles, pôde identificar uma uniformidade ideológica que conduziu ao arquivamento ou à absolvição, em todos eles, dos policiais acusados do assassinato de 42 pessoas”. Nesta cesta ideológica encontra-se o pedido de arquivamento, assinado por um promotor, que classifica a vítima da ação policial como “micróbio social”. O caso é de 1982 e vinte e dois anos depois, a Promotoria de Investigação Penal de Bangu acusou os bandidos que teriam enfrentado a polícia de “verdadeiros soldados do mal”.

No ano passado o coronel Marcos Jardim dizia que a PM é o melhor inseticida social. Já oi juiz do caso Elias Maluco –assassino do jornalista Tim Lopes – o denominou de” lixo genético” revelando um desprezo com a vida onde uns devem morrer outros não. O que vai determinar os rumos dos autos ou o processo dos policiais que matam é se a vítima está ou não definida como ‘inimigo’, traficante, gerando uma ‘legitimidade’ na ação policial.

No caso dos “autos de resistência”, a mídia opera para desumanizar determinados segmentos da população. Desse modo, as pessoas passam a acreditar que os pobres são perigosos, que precisam ser isolados e, se necessário, até mortos.

Os autos não precisam ser forjados, forjadas são as justificativas para tanta execução. É uma política de extermínio que vem sobrevivendo aos vários governantes que passaram nas últimas décadas onde o aval é dado pelo sistema político baseado no capital. O Estado não aparece e, quando aparece é somente na forma da repressão. E o extermínio faz parte, tem que matar pessoas. É a lógica do capital, desse Estado ausente e sem proposta de políticas públicas onde ninguém mais se escandaliza se dez traficantes foram mortos, afinal, eram só dez traficantes. O elemento humano não conta nem para nós nem para eles, o que nos torna muito parecidos.

Sobre o texto de Marcelo Salles – Revista Caros Amigos – Out/2009

Colaboração de Nélio Azevedo

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