quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Apesar de campanha dura, prevaleceram lições da democracia

Dilma Rousseff, que foi eleita presidente do Brasil no último dia 31
Taeco Carignato
De São Paulo

Terminadas as eleições, restam algumas lições. Apesar de termos presenciado uma campanha sórdida e rasteira baseada em mentiras, calúnias e difamações que deixou a nação brasileira em suspense durante um mês, prevaleceram as lições de democracia. Brasileiros e brasileiras, apesar das agressividades manifestas durante a campanha deste segundo turno, realizaram tranquilamente a sua escolha. Sem tumultos.

Outra lição que deduzimos destas eleições é: Os pobres sabem votar, sim! Maria Rita Kehl, naquele famoso artigo "Dois pesos...", que causou a sua demissão de O Estado de São Paulo, alertava às vésperas do primeiro turno quanto à desqualificação dos votos das classes D e E que seriam, segundo os opositores, frutos da "bolsa-esmola". Faço questão de ressaltar as suas palavras, já muito conhecidas pelos internautas:

"Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos."

Foi por esta conquista cidadã que os mais pobres votaram pela continuidade das políticas do Governo que ora se encerra. Porém, se para a presidência, eles escolheram pelo bolso e não pela consciência política a pessoa de Dilma Rousseff que representa seus interesses, por que não poderiam fazê-lo? Ora, a classe A não vota segundo seus próprios interesses? Quando as classes D e E escolhem candidatos segundo seus interesses, trata-se de compra de votos? Pior, as classes D e E são compradas por ninharias?

Terminadas as eleições, todavia, a desqualificação continua. Agora, salienta-se o perfil geográfico dos votos associado aos perfis econômicos regionais. Com uma ressalva: Minas Gerais e Rio de Janeiro foram deslocados ao Norte-Nordeste. A desqualificação dos votos dados à Dilma Rousseff, além do ranço preconceituoso, também busca suavizar a derrota do seu adversário a fim de mantê-lo no cenário político.

Serra, no seu discurso de despedida, embora falasse em humildade, ressaltou o "orgulho". Admitiu a derrota como todo bom político o faz, mas sem humildade também necessária a um bom político. O maniqueísmo da sua campanha também se manifestou em seu discurso, ao desejar que a sua adversária vitoriosa "faça bem para o nosso país". É, ao mesmo tempo, outra desqualificação: insinua que Dilma Rousseff "não sabe fazer as coisas direito", ou seja, não saberá governar.

É este orgulho paulista, no caso de Serra, de paulistano, que dominou a pauta de sua campanha. Não ser trata do orgulho a ser valorizado dos sem-cidadania citados por Maria Rita Kehl na conquista dos seus direitos. Trata-se do orgulho pernóstico dos e daqueles que se identificam com os poderosos, ou mais exatamente, trata-se da arrogância, da soberba. A arrogância paulista manifesta por Serra não achaca apenas os nordestinos, como também, nestas eleições, irritou os mineiros. A mensagem já havia sido dada: "Não mexa em Minas que Minas reage" (CartaCapital, 13/11/2010). No Rio de Janeiro, a campanha serrista provocou a animosidade sempre manifesta na rivalidade entre paulistas e cariocas nos campos de futebol.

Ou seja, com a campanha caluniosa e difamatória, Serra atirou no próprio pé. Seus discursos, recheados de mentiras, calúnias e difamações, acirraram a raiva, para não dizer o ódio, já que ainda quero ver, embora enganosamente, o povo brasileiro como um povo cordado e pacífico. A agressividade, a ferocidade que Serra destilou em sua campanha poderá voltar-se contra os paulistas e paulistanos por ele representados.

Mentiras, calúnias e difamações são instrumentos do ódio. Não foi à toa que a sua imagem demonizada "Xô, Satanás" circulou pela avenida Paulista nas comemorações de vitória da petista. Serra e seus marqueteiros criaram esse demônio. O demônio das calúnias e das difamações. E o que deveria ser apenas uma brincadeira para extravasar as tensões da luta política terminou em uma degola simbólica e na destruição do boneco. Uma violência que não partiu apenas dos apoiadores de Dilma Rousseff e do PT. A campanha de Serra estava recheada de violência contida.

Suas mentiras, calúnias e difamações mancharam a própria imagem pública. O portar-se como homem de família e do bem, beijando imagens santas, não lhe lavou a alma. Não enganou ninguém. Seu índice de rejeição, às vésperas do segundo turno, foi muito alto. Se o homem político José Serra continuar entendendo que se faz campanhas políticas com escândalos, mentiras, calúnias e difamações, com a arrogância disfarçada em religiosidade, é melhor dizer adeus e ficar em casa. Senão, a "guerra da bolinha" registrada em sua passeata no Rio de Janeiro não vai ficar somente na bolinha de papel e o "Xô Satanás" não será apenas simbólico. O Brasil não merece isso.


Taeco Toma Carignato é psicóloga, psicanalista e jornalista. Doutora em psicologia social (PUC-SP) e pós-doutora em psicologia clínica (USP), é pesquisadora do Laboratório Psicanálise e Sociedade (USP) e do Núcleo de Pesquisa: Violência e Sujeito (PUC-SP).

Fonte: Terra Magazine 

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