Por Nélio Azevedo
Na semana em que se comemorava o 13 de maio, fiquei pensando se os negros e mulatos deste país tem o que comemorar. Acho que têm sim o que comemorar e não precisa esperar o dia da consciência Negra.
Até bem pouco tempo, os negros e mulatos só poderiam ter acesso às riquezas que eles ajudam a construir se fosse através dos esportes ou da música. A partir da profissão em decorrência de uma formação acadêmica era uma coisa quase inexistente ou uma raridade que se poderia contar nos dedos de uma única mão.
Hoje podemos ver uma quantidade maior de negros nas escolas superiores e em cursos que sempre foram uma exclusividade dos brancos, sobretudo dos brancos ricos. Mas, isso pode ser só um indício dessa ascensão de uma etnia que sempre andou a reboque numa cultura que tenta a todo custo ser uma cultura branca.
Vemos algum progresso e leis que apóiam e garantem os direitos civis dos negros e mulatos, vemos que uma grande quantidade de pessoas tem acesso ao ensino superior, mesmo que isto se dê pela via das cotas para negros, e, de uma forma geral, essas pessoas marginalizadas e discriminadas passaram a fazer parte da massa com renda e se tornaram consumidores de produtos que até então era privilégio das camadas A e B.
Até bem pouco tampo os negros e afro-descendentes (não gosto dessa palavra) tinham que esconder sua condição étnica em adjetivos como marronzinho, queimadinho de praia, cor de jambo e outros que camuflavam sua origem, no censo de 20 anos atrás eram 120 formas de escapar da sua realidade.
Infelizmente, ainda causa algum espanto quando se vê um médico negro, um engenheiro, um analista de sistemas ou mesmo um cientista negro; mas, estes continuam sendo uma minoria e essa ousadia tem um preço que pode ser medido em reais no final do mês. Negros e mulheres tem salários menores do que os brancos do sexo masculino e, se for uma mulher negra, a diferença aumenta. Por quê? Qual o critério de avaliação usado pelas empresas para determinar essa diferença salarial? Se tiver outra coisa que não o preconceito, eu gostaria muito de saber qual é.
Por que será que a maioria dos analfabetos e a população carcerária é composta em sua esmagadora maioria, por negros, mulatos e pardos? Por que será que para cada dez pessoas libertadas do trabalho escravo nas fazendas, 7 são negros? Por que será que a maioria dos “marginais” mortos pelas polícias do Rio e São Paulo são jovens negros ou mulatos? Pó que será que os negros e mulatos não ocupam os cargos mais importantes nas empresas privadas do país?
Uma coisa é certa: os brancos, pardos e mulatos pobres também nunca tiveram acesso à riqueza nem aos instrumentos que pudesse guindá-los aos estamentos mais altos da sociedade.
Então, isso nos leva a crer que a discriminação e o preconceito que mantém uma camada da população na pobreza não tem só a ver com a cor. Na verdade é um problema social gerado pela condição econômica dos indivíduos? Iremos diretamente para a questão básica: “O negro é incapaz porque não teve oportunidades?” Ou “O negro não teve oportunidades porque é incapaz?”
Isso vale para as mulheres também, se tornou nas duas faces de uma moeda falsa que justifica a injustiça perpetrada por tanto tempo. Essa pergunta é ao mesmo tempo uma resposta para esse comportamento secular tão sedimentado em nossa sociedade que durante a visita do ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, ao Brasil, ele afirmou que se sentia em casa. Muitos pensaram que isso era um elogio; se enganaram, pelo simples fato de que ele vivera os piores momentos de sua vida numa prisão pelo fato de ter lutado contra o terrível apartheid, e, não vira muita diferença do seu país para o nosso.
O racismo e o preconceito de cor geraram as diferenças sociais criando um tipo de comportamento que permitiu durante muito tempo que uma minoria tivesse acesso a toda riqueza produzida nessas terras e subtraiu todos os direitos de uma grande maioria que foi sendo relegada à parte mais baixa da pirâmide social. Comportamentos que permitiram que se usassem contra essas pessoas todo tipo de ofensa nas mais variadas formas em que o preconceito e a marginalização foram sempre atenuados por um véu que encobria as reais intenções escondidas até mesmo numa (aparentemente) inofensiva piada da salão. Esse desprezo que criou um abismo entre as classes mais baixas e a elite.
De acordo com estudos da ONU, a presença da população negra no contingente analisado para determinar os índices de IDH – Índices de Desenvolvimento Humano no Brasil é quem puxa para baixo os resultados. Quando excluídos, a nossa classificação chega perto de alguns países europeus e ultrapassa todos os concorrentes latino-americanos.
Se procurarmos, com toda certeza, encontraremos a resposta na intolerância gerada pelo preconceito; essa triste nódoa herdada dos tempos da escravidão, ainda tão presente no nosso dia-a-dia e, que pelo jeito irá se perpetuar por muito tempo até que se mude um dos pilares da nossa cultura pseudo-europeia: o racismo e o preconceito de cor.
Mais políticas de afirmação das etnias e minorias (minorias?) poderiam deixar para trás essa triste realidade; mais programas de inclusão social e tratamento igualitário para que não precisemos estabelecer cotas em escolas superiores para compensar esse prejuízo acumulado ao longo dos séculos em que a formação da nossa sociedade foi colocando de lado, negando a participação de uma grande camada da nossa população e, impedindo-os de colher os frutos da construção da riqueza de um país.
A única alternativa que sempre tiveram é o que vemos hoje, quando só poderiam reproduzir sua miséria através dos filhos, alimentando essa perversa desigualdade que condena uma parcela significativa da nossa sociedade, nossos irmãos, ao inferno da pobreza.
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