terça-feira, 15 de junho de 2010

A DIFÍCIL ARTE DE SER CIDADÃO

Por Nélio Azevedo

Outro dia eu estava assistindo ao programa “A Liga”, na Band, em que entrevistavam MV Bill, uns garotos da periferia de São Paulo que formam uma Banda de Rap “Bonde do Canguru” e um jovem jogador do Corinthians, eu pude constatar uma coisa que permanece apesar das mudanças consideráveis que aconteceram nos últimos tempos em relação à inclusão social: A falta de oportunidade dos jovens da periferia e das favelas brasileiras.

Tanto MV Bill quanto o jogador corintiano são negros enquanto que os garotos do Bonde do Canguru um são brancos; outro é pardo e um nissei; marginalizados e viviam em condições em que não teriam muitas oportunidades na vida, a não ser por algumas opções e atitudes que eles tiveram em algum momento de suas vidas. Todos tiveram todas as chances de acabarem seus dias numa prisão ou no cemitério, mas fizeram a opção certa, deixaram que o crime passasse ao largo de suas vidas e seguiram vivos, contrariando uma expectativa funesta e secular.

O esporte e a música são os únicos redutos onde pessoas assim podem conseguir uma ascensão social, onde o talento faz a diferença, no entanto, o MV Bill foge um pouco a esse veredicto, assim como o Ferrez, eles venceram principalmente através da literatura, mesmo que o trampolim do MV Bill tenha sido o Rap. No caso do jogador do Corinthians, ele tinha a companhia de dois outros jogadores, que segundo ele eram melhores do que ele, no entanto, eles se deixaram levar pela droga e pelo álcool, não passaram de uma Taça São Paulo de Juniores e perderam o bonde da fama e da história. No caso do MV Bill, todos seus amigos, menos um que aparece na capa de seu primeiro CD, morreram, ou melhor, foram mortos pelo tráfico ou pela polícia.

Quando eu ainda estava estudando na UFMG, fiz algumas visitas à Escola Estadual Ulisses Guimarães, no Morro do Papagaio, fazia a avaliação de uma turma de alunos do EJA – Escola de jovens e adultos - quanto ao uso do livro didático e, qual não foi a minha surpresa, ouvíamos rajadas de tiros, que os alunos identificaram pelo som, eles sabiam quem era o autor dos disparos e qual a arma utilizada. Lá ficamos sabendo que nos últimos 8 anos, nada menos do que 40 alunos da escola tinham sido mortos a tiros e, um deles tinha acabado de passar no vestibular na UFMG.

Os meninos do Bonde do Canguru e o Raper MV Bill continuam morando nos lugares de origem, na favela; convivendo dia-a-dia com a violência e com a discriminação. Lá, falta trabalho e sobra pobreza e até hoje, a maioria das pessoas têm uma visão estereotipada da favela e do favelado, só vêm a comunidade como uma coisa ruim, onde falta o principal, o Estado.

Para eles a fama vai fazer uma diferença muito grande e, se não tiverem uma cabeça bem estruturada, essas coisas poderão atrapalhar mais do que ajudar; o que não foi o caso do MV Bill, que hoje lidera uma instituição – a CUFA, que promove o Hip Hop como instrumento de mudança da realidade de muita gente; representa o Brasil em eventos internacionais e troca figurinhas com personalidades do mundo inteiro. Através da música eles falam por si.

Fico pensando o que será dos que não têm tanto talento assim, dos que não querem a violência nem o crime como opção, mas, não terão a mesma sorte dos rapazes citados? Serão alguns milhões de jovens que terão seu futuro roubado pela pobreza, pela discriminação e pela falta de oportunidades.
Até bem pouco tempo atrás, no Brasil, 75% dos jovens entre 17 e 24 anos estavam fora da escola, revelando uma realidade terrível, mostrando o porquê de nossos jovens aptos para o trabalho não têm qualificação e o país padece por não apresentar os índices de escolaridade necessários para enfrentar a concorrência com os outros países emergentes.

Esse será o grande desafio que teremos que enfrentar e vencer, ou ficaremos para trás nessa competição estabelecida a mais de uma década e os últimos acontecimentos nos dizem que o mundo mudou e se quisermos fazer parte dessa vanguarda, teremos que colocar a formação educacional como prioridade, ou melhor, o caminho.

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